segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A eternidade da maçã, de Marcus Vinicius Rodrigues

 

A eternidade da maçã de Marcus Vinicius Rodrigues apresenta sete contos que se relacionam a partir do contexto da ditadura militar, entre os anos de 1964 e 1978, na cidade de Salvador. Na obra do autor baiano, cada texto é introduzido/conduzido por trechos de músicas de Caetano Veloso, compondo uma espécie de trilha sonora e/ou chave de leitura.

 As narrativas apresentam personagens em suas lutas, perdas e angústias em um período da nossa história marcado pelo “desaparecimento” de pessoas, por vidas silenciadas e por corpos e sonhos exilados.

 Vejo nas narrativas do livro uma Bahia fotografada em preto e branco, sem os tons vibrantes de alegria tão presentes no imaginário coletivo quando falamos de Salvador. Temos, no livro, um recorte da cidade numa ambiência de repressão e muita dor, com personagens que lutando e/ou perdendo são conduzidos pela beleza, força e ternura do sonho de liberdade.

 Nesse contexto tão conturbado, contrastes e contradições do Brasil também são revelados, como por exemplo, o homem pisando na lua sendo noticiado como espetáculo e, enquanto isso, estudantes contra o regime vigente não podiam tocar o solo de sua nação, ou a ambivalência de um sádico militar,  católico e assíduo nas missas de domingo...

 Temos aqui um livro sobre a ditadura militar no Brasil, um tema que se faz presente em nossas discussões sobre política e levanta contraditórias opiniões. Uma leitura pertinente nos dias atuais por ser um assunto cercado de dúvidas, de respostas reticentes, de diversas lacunas nos registros históricos oficiais e, principalmente, por ser um problema, ainda, mal resolvido no país. 

                                                                                                      Por Joelson Santiago

 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Mirantes, de Roberval Pereyr

 O livro Mirantes, de Roberval Pereyr, reúne 80 poemas densos, concisos e atravessados por reflexões/problematizações de um eu lírico diante dos seus dilemas, das lacunas da subjetividade e da busca por uma unidade homem/palavra/mundo através da poesia.

Podemos perceber na leitura de Mirantes, um sujeito poético posicionando num ponto elevado da experiência, onde vai revelando um largo horizonte através de uma linguagem  imagens poéticas, que para ele é conhecimento, trabalho, mas também paixão, através de composições que (re)criam o ser e não apenas revela “o que é” ou “como deveria ser”. Constitui-se, assim, uma forma particular de perceber a realidade, na qual linguagem comum não consegue expressar.

A imagem poética, de acordo com Octávio Paz, funciona como um meio de cobrir essas lacunas que a linguagem é incapaz de suprir, pois ela funciona como um elemento revelador, e ao mesmo tempo, sintetizador da pluralidade da percepção humana, apresentando-nos mais do que descrições ou representações, propondo-nos saberes e sabores contidos na experiência de vivenciá-las. Em síntese, a imagem literária delineia o indizível e nos propõe a (re)conhecer o ser, assim como os versos do poeta Roberval Pereyr.

Por Joelson Santiago

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Densas Levezas Breves de Elis Franco

 Escrevivências poéticas

“Densas Levezas Breves” de Elis Franco constitui uma coletânea de poemas repletos de imagens

paradoxais como sugeridas pelo título. Tal escolha se ancora, principalmente, na matéria de trabalho da poetisa: o(s) (di)lemas do viver humano.

Seus versos sintetizam que: “a vida é o intervalo entre/ o princípio e a finitude.” e nesse intervalo a escritora descortina cenas, memórias, axiomas, vivências entrelaçados com muita poesia, a qual universalizar experiências e sabores por meio de palavras que (re)velam uma amante da arte literária e desenha belíssimos e produtivos diálogos intertextuais com Quintana, Guimarães Rosa, Adélia Prado, Brasileiro...

A leitura dos poemas de Elis Franco é um convite para uma poesia que não se quer hermética, dissonante ou bússola, mas é flagra da vida pulsando, transbordando, é memória dilatada e trabalhada por quem sabe o que é poesia.

                                                                                                                       Por Joelson Santiago

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Memórias Afetivas de Elis Franco

Quem não gosta de uma boa narrativa? Todos nós gostamos de uma boa história e acompanhada de uma boa reflexão melhor ainda. Assim são os textos de Elis Franco em Memórias Afetivas, crônicas tecidas numa linguagem leve e de considerações densas sobre os dilemas do cotidiano (amores, perdão, morte, partidas, (in)felicidade, tempo, solidão...).

Crônicas, a meu ver, da melhor qualidade do gênero, pois tem a fluência de um diálogo amistoso entre o leitor e a autora ─ uma conversa, às vezes mais séria, outras mais divertidas ou mais filosóficas... E arrisco afirmar que é impossível terminar a leitura de cada texto sem ser tomado pela emoção, o que conduz o leitor a recordar, também, suas memórias afetivas.

Cada título é acompanhado por uma epígrafe que faz uma célebre abertura do tema abordado na crônica e no conjunto da obra compõe uma potente bibliografia de autores importantes da literatura e da filosofia, um perspicaz itinerário de leitora para seus leitores.

Para quem ainda não conhece a autora Elis Franco, ela é natural de Feira de Santana – BA, também, poeta, contista, professora, mestra em literatura. Já publicou “Densa Levezas Breves” (poesia) e “Poética (des)encantada e outros alumbramentos” (poesia) Mantém o blog http://elisfranco.blogspot.com/.

 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Quarto de Despejo: diário de uma favelada - Carolina Maria de Jesus

Abdias do Nascimento, em Genocídio do povo negro no Brasil, aborda como o racismo genocida em diversos sentidos a população preta no país.  Em Quarto de despejo encontramos fotografada essa realidade por meio de uma voz crítica, humana e lírica diante de um universo intercruzado por estruturas opressoras contra a figura de uma mulher negra, leitora, escritora, catadora, mãe solteira...

Carolina Maria de Jesus ao descrever o cotidiano da favela do Canindé (São Paulo), no seu diário, revela-se uma escritora consciente da sua função e do poder da sua escrita. Para Carolina, escrever também é uma forma de sobreviver naquelas incertezas da luta diária contra a fome e de resistir em face ao abando do Estado.

O livro Quarto de Despejo não se limita a contagem de dias e registros vividos pela escritora ─ como nos tradicionais diários─, nele encontramos uma experiência estética delineada por suas afrovivências e pelos seus itinerários de catadora na busca de papéis avulsos, onde entre seus achados (revistas, livros, cadernos e jornais) alimentava a alma de escritora e levava comida para casa.

Publicado em agosto de 1960, foi traduzido para vários idiomas, rendeu fama para escritora e foi um sucesso de vendas na época. No entanto, Carolina Maria de Jesus não é conhecida por muitos brasileiros e ainda não está na lista de escritoras de vários compêndios literários que circulam em nossas escolas por questões estruturais da nossa sociedade que historicamente segue invisibilizando muitas de nossas produções.

 

 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Algumas Memórias de leitura

Por Joelson Santiago Santos

 Relatar a minha formação de leitor é (re)compor a partir da memória um conjunto de elementos que contribuíram nesse processo. Uma tarefa que não é tão simples, pois exige resgatar fatos, momentos e, sobretudo, a interpretação de flashes de recordações, que nem sempre são acionados de forma sistematizada e com rapidez. No entanto, essa é uma atividade fundamental para reflexão e entendimento dos (des)caminhos traçados em nossa formação leitora.

Para construir o relato aqui apresentado recorro à memória, em sua essência afetiva, que marcaram as minhas experiências com a escrita/leitura. Para tanto, retomo “rasuras” biográficas, pessoas e lugares fundamentais nesse itinerário de reminiscências.

Eu nasci e me criei numa família matriarcal, na qual a minha Avó tecia harmonicamente a costura da rotina doméstica e nos conduzia sempre com encantamentos cheio de cheiros, sabores e saberes por meio de suas narrativas e vivências. Além da Minha Avó Amália Santiago, convivi com minha mãe Maria das Graças Santiago, uma tia (materna) e duas irmãs. Assim no meio desse “rosário de Marias”, o colo, a voz e afetividade feminina sempre encheram o meu viver de alegrias, consolo e cuidados...

A minha Avó: nordestina, analfabeta e exímia contadora de histórias é a responsável pela minha iniciação ao universo das narrativas. Ela por meio da sua voz aguda nos prendia apresentado personagens, personalidades, causos e acontecimentos do plano real, mas principalmente do universo do fantástico.

Mesmo sem saber ler convencionalmente, recordo-me dela apresentando oralmente as histórias de cor, num ritmo melódico, muito bem pontudas, carregadas de emoção e fortalecidas pelo caráter testemunhal de quem vivenciou fatos históricos ou fantásticos como, por exemplo, o surgimento da televisão no Brasil, a passagem de Virgulino Lampião no interior da Bahia ou de uma certa menina malcriada que virou bicho...

Esse contato muito contribuiu no meu interesse por histórias (ficcionais ou não), além de impulsionar minha imaginação de criança com cenas e seres inesquecíveis, que renascem ou são ressignificados em outros textos que leio ainda hoje.

Outro momento importante da minha formação de leitor é fase da educação infantil. Nesse período: as músicas, os contos de fadas, as fábulas e poesia se fizeram presente com muita ludicidade. Lembro-me das professoras utilizando vários recursos de contação para nos apresentar o universo mágico da literatura: fantoches, dramatização, livros ilustrados, declamação...

Essa imersão no universo de textos literários, estimulam-me, também, em imitar as minhas professoras recontando as histórias aprendidas em casa, na rua com os colegas. Acredito que tal desejo, estava vinculado com sentimento contagiado que a literatura nos proporciona, principalmente quando ela é bem mediada.

Quando começo enveredar pelo universo da escrita, o desejo de retomar as narrativas persiste e assim eu reescrevia os contos lidos na escola, com ilustrações minhas e desfechos ou personagens diferentes. Essa prática tinha o sabor de brincadeira realizada com muita diversão e emoção até porque eu sempre me projetava nas histórias: eu assumia o papel de protagonistas, narradores, heróis, assim eu experimentava uma espécie de sociedade da imaginação.

Na minha casa não tinha muitos livros e literários menos ainda, reescrever os textos e acumulá-los em vários cantos da casa talvez fosse uma forma de ter as narrativas sempre presentes ou acessíveis para leitura a qualquer momento.    

As minhas aventuras com a literatura ganharam força na minha adolescência, no momento que descobri a biblioteca municipal da minha cidade, nela havia uma seção expressiva de literatura e esse espaço me possibilitou ter contato com diversos escritos importantes da literatura brasileira. Tive, inclusive, contanto com autores que, na época, não conseguia nem compreender como Clarice Lispector e que mais tarde me conquistou com narrativas viscerais e que, na atualidade, muito me dizem sobre o viver.  

Nessa biblioteca, conheci poetas, cronistas, romancistas e contistas que marcaram minha vida como: Carlos Drummond de Andrade, José de Alencar, Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Eça de Queiroz, José Saramago, Machado de Assis, entre outros gigantes. Essas experiências foram decisivas na minha escolha profissional, pois a leitura, literatura e a escrita fazem parte do meu ofício e tem um espaço especial em minha casa e coração.

 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Mais um jovem, ou menos um jovem...


No último dia 30 de março, o jovem J. L.S. M. (Juninho), 25 anos, residente no bairro Baraúnas, foi morto a tiros por homens até o momento (não) identificados, como foi registrado na impressa feirense nas seções policiais no dia. Mas assim, como tantos outros registros da nossa imprensa sobre crimes contra jovens faltou uma análise, ou ao menos uma reflexão ─ ainda que vã ─, de um fato social que cada vez mais toma maiores proporções, no nosso dia-a-dia: a banalização do assassinato de jovens ligados ou não ao tráfico de entorpecentes.


As estatísticas de violência urbana apontam, há muito tempo, para a população da periferia como as maiores vítimas dessa dinâmica atroz da nossa sociedade; que, na maioria da vezes, responde apenas com as expressões: "mais um..." ou "menos um...". Ambas são emblemáticas, pois representam posicionamentos políticos, pontos de vista, opiniões em relação a essa realidade.

Vale trazer aqui o registro de que essas duas expressões: "mais um, menos um" aparecem no filme Abril despedaçado de Walter Salles, como uma alegoria da implacabilidade do tempo que, na perspectiva da película, conduz para a morte (matada). Através dessa leitura fílmica deixo o reflexão: até que ponto essas expressões têm implicações em nossas vidas, ou até quando? 

Joelson Santiago

Texto publicado em 03 de abril de 2011 no blog Coloquei a Baraúna no Coração.