O homem considerado com um ser múltiplo e consciente da sua temporalidade são questões muito vinculadas na produção literária da modernidade. Dentro desse viés, podemos dizer que temos uma poética que segue tentativas de representação de uma vontade literária que se amplia, multiplica-se, alinha-se ou contradiz-se como os próprios contornos da modernidade. Imerso nessa realidade caleidoscópica está o poeta português Fernando Pessoa que buscou através de sua obra responder sob diversas perspectivas essa realidade paradoxal, dentro dessas construções temos o clássico Ricardo Reis, com sua faceta racional de conceber a vida :
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Lendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...
À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranqüilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido
Como se pode perceber através do campo semântico construído no poema desse heterônimo é sua busca pelo equilíbrio das sensações humanas, por isso, Reis apresenta como sua temática central a possibilidade de escolher como será o percurso da vida: bom/ruim, feliz/infeliz... Esse poeta traz sempre em sua poesia um tom de opção para o sentimentos, como se fosse fácil e possível selecionar sempre os sentimentos.
Na primeira estrofe do poema em citado acima, o eu - lírico afirma que o tempo decorrido da vida pode ser muito tranqüilo e simples, tudo depende da postura que assumimos, pois assim como colocamos flores num jarro para enfeitar o ambiente com sua beleza durante um limitado tempo e depois descartá-las quando perderem seu encanto e vivacidade, assim é a vida que aos poucos vai se acabando.
Na segunda estrofe, o poeta aponta, dentre uma perspectiva ideal, que a sabedoria consiste em não permitir fortes e intensas emoções para garantir uma passagem na vida tranquilamente. Outra passagem que traduz essa idealização do poeta é a imagem da criança como mestra, porque Reis projeta nessa etapa da vida uma tranqüilidade e a melhor forma de encarar a vida.
Novamente com a metáfora do rio temos a representação do percurso implacável da vida, mas que o poeta escolhe estar à beira do rio, ou seja, numa posição privilegiada de quem olha externamente e superficialmente para a vida e, dessa forma, demonstra um certo controle, embora não se possa impedir o percurso do rio( vida), mas, como sugere Reis, podmeos optar ver esse curso em muito sofrimento.
Em verso como: “o tempo passa”, “Envelhecemos”, “Sentir-nos”, apontam para a efemeridade e inadiável fim da vida. Por isso, o Eu - lírico destaca para que saibamos “colher as flores [...] nos rios calmos”, ou seja, vivenciar a beleza da vida de um modo simples e tranqüilo como uma criança porque não vale a pena viver sentimentos fortes e intensos que desestabilizam o “percurso do rio”.
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