Estive Lá fora, lançando em 2012, é uma narrativa localizada na cidade de Recife- PE, nos anos mais ferrenhos da ditadura militar no Brasil (pós-1964). O protagonista da história, Cirilo, é um estudante de medicina do sertão do Ceará (Inhamuns) com dificuldades financeiras de manter seus estudos na capital pernambucana e imerso em conflitos familiares, ideológicos e existenciais.
Em Estive Lá, entrevê-se uma história de medo diante das incertezas em relação ao novo em um contexto de instabilidade e violência, representadas por meio do protagonista e de sua família. Cirilo assume o papel de primogênito e recebe a benção e, ao mesmo tempo, a incumbência de resgatar o irmão mais velho (Geraldo), este de paradeiro desconhecido por conta do seu envolvimento político-partidário contra o regime militar. Situação que resulta em diversas turbulências e sofrimento para todos os familiares e amigos.
O pai levaria Cirilo à Rodoviária, ao ônibus e à promessa ameaçadora do Recife. Altivo, parecia alheio à contração dos dentes do filho, à força com que segura o choro porque era interdito aos homens da família chorar. Caminha à frente, como o deus Hermes conduzia as lamas para o inferno. Na véspera Luís Eugênio narrara a história do rei que possuía três filhos homens e cada um deles, ao atingir a vida adulta, pedia licença para deixara a casa paterna. Geraldo, o mais velho, fora embora havia quatro anos, um pouco antes do golpe militar. “Você quer minha benção com pouco dinheiro ou minha maldição como muito dinheiro?”, perguntava o pai da história, e apenas o filho mais novo escolhia a benção e um caminho espinhoso (BRITO, p. 09, 2012).
No desenrolar da trama é possível flagrar nuances da história brasileira durante o regime de exceção: a falta de infraestrutura das instituições de ensino superior; as expulsões sumárias de professores, de alunos e de funcionários de universidades; as arbitrariedades dos atos institucionais ou os métodos torpes de coação utilizados pelos militares, bem como a aflição dos pais dos militantes “desaparecidos” sem nenhuma informação, impotentes e descrentes nas autoridades, enfim, um recorte fotográfico de uma época. Além disso, o autor aponta para as perversas consequências das ações tanto dos militares quanto dos militantes de esquerda no Brasil e no mundo. Por intermédio do posicionamento “neutro” de Cirilo, é questionado o que é pior: “o patrulhamento da direita ou o da esquerda?”. Para Cirilo, somente a literatura é a grande revolução.
O livro é um convite para uma narrativa memorialista, autoficcional, sensível, crítica, criativa e também histórica de um tempo marcado por rápidas transformações, insegurança no presente e dúvidas para o futuro. Com esse livro, Ronaldo Correia de Brito apresenta elementos que há muito tempo inquietam o humano: o medo, o novo, os conflitos familiares e as (in)certezas das escolhas.
Texto extraído da minha dissertação de mestrado "FACA E SEUS CORTES: O Sertão Trágico e Feminino de Ronaldo Correia de Brito"
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