quinta-feira, 16 de julho de 2020

Algumas Memórias de leitura

Por Joelson Santiago Santos

 Relatar a minha formação de leitor é (re)compor a partir da memória um conjunto de elementos que contribuíram nesse processo. Uma tarefa que não é tão simples, pois exige resgatar fatos, momentos e, sobretudo, a interpretação de flashes de recordações, que nem sempre são acionados de forma sistematizada e com rapidez. No entanto, essa é uma atividade fundamental para reflexão e entendimento dos (des)caminhos traçados em nossa formação leitora.

Para construir o relato aqui apresentado recorro à memória, em sua essência afetiva, que marcaram as minhas experiências com a escrita/leitura. Para tanto, retomo “rasuras” biográficas, pessoas e lugares fundamentais nesse itinerário de reminiscências.

Eu nasci e me criei numa família matriarcal, na qual a minha Avó tecia harmonicamente a costura da rotina doméstica e nos conduzia sempre com encantamentos cheio de cheiros, sabores e saberes por meio de suas narrativas e vivências. Além da Minha Avó Amália Santiago, convivi com minha mãe Maria das Graças Santiago, uma tia (materna) e duas irmãs. Assim no meio desse “rosário de Marias”, o colo, a voz e afetividade feminina sempre encheram o meu viver de alegrias, consolo e cuidados...

A minha Avó: nordestina, analfabeta e exímia contadora de histórias é a responsável pela minha iniciação ao universo das narrativas. Ela por meio da sua voz aguda nos prendia apresentado personagens, personalidades, causos e acontecimentos do plano real, mas principalmente do universo do fantástico.

Mesmo sem saber ler convencionalmente, recordo-me dela apresentando oralmente as histórias de cor, num ritmo melódico, muito bem pontudas, carregadas de emoção e fortalecidas pelo caráter testemunhal de quem vivenciou fatos históricos ou fantásticos como, por exemplo, o surgimento da televisão no Brasil, a passagem de Virgulino Lampião no interior da Bahia ou de uma certa menina malcriada que virou bicho...

Esse contato muito contribuiu no meu interesse por histórias (ficcionais ou não), além de impulsionar minha imaginação de criança com cenas e seres inesquecíveis, que renascem ou são ressignificados em outros textos que leio ainda hoje.

Outro momento importante da minha formação de leitor é fase da educação infantil. Nesse período: as músicas, os contos de fadas, as fábulas e poesia se fizeram presente com muita ludicidade. Lembro-me das professoras utilizando vários recursos de contação para nos apresentar o universo mágico da literatura: fantoches, dramatização, livros ilustrados, declamação...

Essa imersão no universo de textos literários, estimulam-me, também, em imitar as minhas professoras recontando as histórias aprendidas em casa, na rua com os colegas. Acredito que tal desejo, estava vinculado com sentimento contagiado que a literatura nos proporciona, principalmente quando ela é bem mediada.

Quando começo enveredar pelo universo da escrita, o desejo de retomar as narrativas persiste e assim eu reescrevia os contos lidos na escola, com ilustrações minhas e desfechos ou personagens diferentes. Essa prática tinha o sabor de brincadeira realizada com muita diversão e emoção até porque eu sempre me projetava nas histórias: eu assumia o papel de protagonistas, narradores, heróis, assim eu experimentava uma espécie de sociedade da imaginação.

Na minha casa não tinha muitos livros e literários menos ainda, reescrever os textos e acumulá-los em vários cantos da casa talvez fosse uma forma de ter as narrativas sempre presentes ou acessíveis para leitura a qualquer momento.    

As minhas aventuras com a literatura ganharam força na minha adolescência, no momento que descobri a biblioteca municipal da minha cidade, nela havia uma seção expressiva de literatura e esse espaço me possibilitou ter contato com diversos escritos importantes da literatura brasileira. Tive, inclusive, contanto com autores que, na época, não conseguia nem compreender como Clarice Lispector e que mais tarde me conquistou com narrativas viscerais e que, na atualidade, muito me dizem sobre o viver.  

Nessa biblioteca, conheci poetas, cronistas, romancistas e contistas que marcaram minha vida como: Carlos Drummond de Andrade, José de Alencar, Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Eça de Queiroz, José Saramago, Machado de Assis, entre outros gigantes. Essas experiências foram decisivas na minha escolha profissional, pois a leitura, literatura e a escrita fazem parte do meu ofício e tem um espaço especial em minha casa e coração.

 

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